Hoje vim da rua fria com salpicos de chuva no meu corpo, fui lavar uvas escuras para o meu filho, que tinha fome – os filhos têm sempre tanta fome – , e como tinha as mãos geladas demorei-me a abriga-las na água morna.
Da minha casa vejo um prédio em construção, tem um grande guindaste que anda sempre a oscilar e pequenas criaturas a labutar. Uma delas parece um gigante e ocupa todo o meu olhar.
Da minha janela vejo árvores,
algumas já sem folhas,
a dançar
E ouço condutores a acelerar
E sinto o vento a soprar
e mais ao fundo vejo fumo negro que não para de jorrar,
incertezas que não param de assolar
fantasmas que estão sempre a importunar
nações e multidões sem descansar
e o tempo ao qual não pensávamos voltar
Vejo aviões que não param de voar,
não param nem para pensar
vejo janelas sem luz, e sem ar
e outras sem teto para morar, e estradas e mares por franquear
cores e fronteiras por libertar
vejo tantos fascistas por atar
e sempre o som dos aviões a passar
Vejo muitos já sem espaço nem para gritar
e o último voo sem lugar para nos salvar
vejo que ninguém sabe como escapar
E enquanto o fogo não para de abrasar, nem a chuva de encharcar
vejo governos a inebriar
abraços a jurar
e o tempo a se esgotar
Altas patentes a deixar andar
e tanta gente a acreditar
tantos soldados por desertar
muitas armas por enterrar
E sempre os mesmos a lucrar
soluções de felicidade sem pagar
bocas a mentir sem parar
e muitas verdades para decifrar
vejo estômagos por acalmar
com tantos tantos a engordar
E vejo liberdades por reclamar
Vidas por vadiar
Felicidade no olhar
se não for a sul, outro lugar
pois para sempre eu vou-te amar
E enquanto na noite tememos o frio,
só com o céu para nos guiar,
não paremos de recomeçar …
… antes da minha janela eu via o rio!
tik tak
Ana Borralho
O Woody Guthrie tinha escrito na guitarra
#istoéumamáquinadematarfascistas
À espera da queda de um desejo do céu
escuro como um breu
Olha quem vem de bote
trás um garrote
Alguém a arfar
Um colete
salva
vidas
enche-se com ar
Um balão
Enche-se com ar
O lixo voa
voa
vem do além
e voa
Plantar nas nuvens
as nuvens
quantas é que tens
Tenho a minha vida nas clouds
E eles estão tão prouds
Um turista espaçial tem de aprender a desviar-se de toda a merda que por lá circula
Lembro-me, quando ainda não tinha nascido
uma manhã o Woody saiu de casa
tirou as calças em frente de todos e gravou nas cinzas
esta terra é minha esta terra é tua
e os Bancos são feitos de mármore
João Galante